Atestado médico
- Walter Labonia Filho
- 16 de mai.
- 4 min de leitura
A emissão do atestado médico é um ato regulamentado pela lei federal 605/49, pela CL T e pelo Conselho Federal de Medicina. Instrumento poderoso, é capaz de justificar faltas de um trabalhador sem que ele seja descontado na folha de pagamento, esclarece a ausência de um estudante às aulas sem que seja punido por isso, comprova a impossibilidade de uma testemunha depor em juízo, obriga uma companhia aérea a transferir o voo de um passageiro que adoeceu, entre outras possibilidades. Além de atestar doenças, testemunha o bom estado de saúde de quem deseja frequentar um clube ou academia, declara ausência de doença em quem deseja viajar para determinados países (emiti vários atestados durante a pandemia de COVID), autoriza um menor de idade atuar em filmes, teatro ou que protagonize peças publicitárias...
Se pelo lado do paciente o atestado médico é um direito dele, para o médico é, muitas vezes, uma baita dor de cabeça. Exemplifico a seguir.
Certa vez, recusei o pagamento de uma consulta particular porque o “doente” exigia como contraparte um atestado médico que justificasse sua falta a uma audiência no fórum, em que corria o risco de sair de lá preso por não pagar a pensão alimentícia devida ao filho que tinha com a ex-esposa. Depois disso, nunca mais o vi.
Por estes dias, numa sexta feira, César, um adolescente que eu conheço desde bebê, me escreveu no Whatsapp:
“Olá, Doutor, tudo bem? Pois é, estive gripado com febre e tosse desde segunda-feira e não consegui fazer uma prova de Física ontem hoje já melhorei e fui na escola mas preciso de um atestado para fazer uma prova substitutiva na semana que vem pode ser?”
No ano passado, houvera da parte dele o mesmo pedido em circunstância semelhante e, na ocasião, senti o cheiro da mentira mas, na dúvida, com medo de cometer uma injustiça que o prejudicasse, emiti o atestado com a advertência de que, numa próxima vez me procurasse na vigência da doença, não depois que já tivesse melhorado.
Então, desta vez, gato escaldado, escrevi em resposta:
“César, como já te falei no ano passado, você deveria ter vindo ao consultório para que eu o examinasse. Não posso lhe dar o atestado”
“Como assim, Walter. Porque não?”
“Porque, se você prestar atenção à palavra, ATESTAR, quer dizer: AFIRMAR. Como posso atestar algo que não vi, não presenciei?”
Ele silenciou. Até esperei que a mãe me procurasse, intercedendo pelo filho, o que não ocorreu.
As experiências mais contundentes que vivi, relacionadas ao atestado médico, ocorreram durante o ano e meio em que trabalhei na Volkswagen do Brasil, em São Bernardo do Campo, SP, nos anos de 1970. A fábrica tinha, não sei se ainda tem, um excelente ambulatório com médicos de várias especialidades, raio x, laboratório, centro cirúrgico e, até uma ambulância para remover pacientes em estado mais grave em decorrência de um acidente de trabalho ou por qualquer outro mal de maior gravidade. No meu primeiro dia de trabalho, os colegas fizeram questão de me alertar para a frequente tentativa de trabalhadores para conseguir um atestado médico que lhes dispensasse do trabalho sem prejuízo do seu salário. Foram de tal forma eloquentes que muitas vezes duvidava da veracidade de uma queixa, o que fazia meu trabalho parecer o de um delegado de polícia. E eles me preveniram: “Se der o atestado uma vez, a notícia se espalha na fábrica e todo mundo vai querer consultar com você.” Estava com um pé em cada canoa porque muitos vinham a mim nitidamente doentes e tinham direito ao atestado. Porém, como comprovar no momento da consulta, por exemplo, a queixa de dor lombar do paciente? Ou se me dizia que estava com diarreia? Para o primeiro caso desenvolvi um ritual em que eu ordenava para o queixoso subir e descer da maca, flexionar o tronco, tirar o sapato em pé, fora outras manobras diagnósticas pertinentes à queixa. Para quem dizia estar com diarreia, mandava aguardar na sala de espera até que fosse ao banheiro, não desse a descarga e me chamasse para ver o dejeto... Jamais me esquecerei daquele paciente que se queixou de dor lombar, chegou todo encurvado, com cara de dor e nitidamente limitado para movimentar-se. Convenceu-me de que merecia o atestado depois de ser meticulosamente examinado (investigado). Logo que ele saiu da sala, espaireci um pouco na janela que dava para a rua do ambulatório e não é que vi o “doente” andando rápido, leve e solto... Fui ludibriado por um farsante talentoso!
Naquele tempo, na fábrica, os que trabalhavam na linha de montagem dividiam-se em três turnos durante as 24horas. Cada homem ficava duas semanas em cada período para depois trocar de horário. Eram comuns as queixas de insônia por conta desse revezamento. Eu, como médico do ambulatório, trabalhava de segunda a sexta-feira, das 13 às 18h. Pelas 15:45h, a quinze minutos do final do turno que começara às 06:00h, entra na minha sala um negro alto, muito forte, quase gordo, com febre de 40ºC, olhos injetados e tossindo muito. Respondeu-me que estava doente há 3 dias e, naquele dia, pedira desde cedo ao seu superior para ir ver o médico. O “feitor”, como era de fato chamado aquele que comandava um grupo de dezenas de operários, negou-lhe a saída e só a permitiu no final do turno. Tratava-se de uma gripe; mediquei-o com uma injeção de dipirona intramuscular, receitei xarope e antitérmicos, recomendei a ingestão de bastante líquido e, muito importante, emiti um atestado que lhe concedia dois dias de afastamento do trabalho.
— Doutor — disse ele —, eu não quero ficar em casa. O senhor pode me dar a receita que eu tomo tudo direitinho.
— Fique tranquilo, com esse atestado você não vai ser descontado.
— Eu sei, doutor, é porque lá em casa moram, além de mim, minha mulher, três filhas e a sogra. Conto com o almoço daqui da fábrica porque se eu ficar em casa, não vai ter comida pra mim...
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